sábado, 4 de agosto de 2012

Vende-se um vaso velho




Longilíneo, antigo e fundo. Transparente – mas o tempo fez o favor de empoeirá-lo, e toda e qualquer flor que se esconde dentro do vaso morre de alergia, eu acho. Não é lá muito vistoso, mas neutraliza a decoração – bom, não entendo muito de decoração nem de neutralização de decoração, mas aposto que minha estante gostava de abriga-lo, e dizem que a decoração perfeita é aquela em que todos os móveis e objetos se dão bem.
Ok, eu inventei essa frase agora. Mas nem tudo que eu digo é besteira. Nem tudo.
É um bom vaso. Nunca quebrou, nunca rachou, nunca se espatifou no chão – não que eu tenha visto. Mas ele já me viu cair várias vezes. Já me viu chorar, enrolar o tapete com um corpo como se fosse uma massa de tanta dor, já me viu gritar... Ah, sim, um vaso não tem olhos. Mas tem espaço suficiente para guardar o que quiser. E esse, além de guardar poeira, moedas velhas e tampas de canetas, guardou um pouquinho dos sufocos que passei. Se é que o sufoco se traveste de partículas “escondíveis” no ar... bom, então este vaso esconde muitas partículas minhas.
Uau. Isso é nojento.
Mas ainda sim é um vaso. Coloquei flores nele quando o ganhei. Acho que eram rosas... Não suporto rosas. Mas eu ganhei rosas no mesmo dia... Deus, aquele vaso guardou todo meu ódio! Que insulto! Ele é o culpado por todas as minhas tristezas, rancores e insucessos! Ele é meu amuleto de azar! Ele polui minha casa, minha estante, minha vida... Há anos!
MENTIRA. ISSO É APENAS UM DELÍRIO. COMPRE O VASO.
Todo e qualquer objeto guarda alguma coisa, eu já devo ter dito isso. Acredite em mim, é difícil se desfazer d’uma coisa que guarda um pedaço seu. Posso viver o que vier para eu viver – e isso vai acontecer – mas vou olhar para o vaso e me desconcentrar. Por favor, compre-o. Passe um pano úmido, compre flores novas, pinte-o, se quiser... Mas compre-o. Tire-o de perto de mim, e me dê seu dinheiro suado para compensar a tesourada que você está dando na minha relação com meu ex-vaso.
Te dou o vaso.
Você me dá o dinheiro.
E eu compro um novo vaso.
Para guardas novas partículas dos meus sufocos.
Eis um bom negócio.


(Ouvindo Tudo que você podia ser, Milton Nascimento)

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