quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Um lugar chamado Vazio


(Denis Grzetic)
A ideia era falar sobre “jacheguismos”, mas achei melhor deixar para uma próxima vez – quem sabe daqui a um mês.
É que é madrugada. E a madrugada é ótima. Parece que o cérebro sabe qual é a melhor hora para sair da caixinha.
De repente, bateu um vazio. Ah, acho que bate em todo mundo – quem nunca se sentiu no meio do nada, sem vontade, sem ânimo ou inspiração, ora, que atire a primeira pedra.
Eu sei que não é legal brincar com esse ditado. Porque sempre tem alguém a fim de te mandar para o hospital.
Acho que o vazio que sinto é normal e anormal ao mesmo tempo. Não que o mundo tenha algo a ver com isso, mas com o passar do tempo, esse blog se tornou o meu divã. Se você não tem o seu ainda, corra pro Blogger e escolha um nome único, criativo e que não tenha nada de fofinho.
O que é se sentir vazio? É como ver um show numa TV muda. Você vê as legendas, vê o cara mexendo os lábios, mas não faz a menor ideia de como a melodia tá saindo. É como forçar um choro sofrido, fazendo dos olhos uma vaca capaz de oferecer leite fresco e incomparável – você não é uma vaca; lágrimas são mais temperamentais do que uma vaca. E eu sei que vou te fazer chorar (de vergonha alheia) com essa comparação.
O vazio que sinto é... Estranho. Como qualquer vazio que a gente sente. A gente? Quem faz “a gente”? O cara que canta no mudo da TV? A vaca da minha comparação? As lágrimas que não saem?
Você pode dizer que estou carente – a gente está carente, assim me sinto menos idiota. Mas isso não faz sentido. Quem precisa de alguém pra esse tipo de serviço não está vazio... Só está matando cachorro a grito. Não, falo de um buraco mais embaixo – um buraco em que tropeço, caio e, estupidamente, abro um berreiro.
O vazio é um lugar, eu já cheguei a essa conclusão. Um lugar onde as novelas são mais interessantes que a sua vida, onde há a necessidade de se mostrar para quem nada quer ver, onde sonhos, de tão fortes, intensos e desejados, tornam-se fracos e insignificantes – você não é a mocinha da novela que consegue tudo no fim, porque o seu fim pode ser tão mísero como qualquer outro. Os sonhos se perdem. Você não sabe mais como sonhar, como imaginar, como ousar – e acaba sem forças, mais um estranho entre bilhões enquanto podia ser mil dentro de um que brilha para uns vinte, pelo menos. Ou para si mesmo. Porque brilhar, nem que seja para o espelho, é uma dádiva. Uma dádiva que só quem já se sentiu vazio consegue dar valor.
Então você sai feio numa foto. É desprezado numa conversa. Espera por alguém que foi e não voltou – e que não voltará tão cedo. Vira chacota dos medos de criança. Não deixa as unhas crescerem em paz. Não gosta mais de sair. Não sabe mais o que quer. Não sabe se vai querer algo. Não quer nada. Só quer fugir.
Um banho de sal grosso? Já pensei nisso. Mas... Bom, eu me sentiria uma picanha.
É pior do que chorar. Porque quando a gente chora, ora, é do nada, borra o creme, a maquiagem, a construção, mas passa... Pelo menos lava as calçadas, tira as impurezas, dá ânimo pra encontrar as respostas. Mas se sentir vazio não tem essa vantagem. Você sorri, e por dentro, o mundo cai e a Maísa desencarna.
É estranho pensar que o vazio faz a gente se sentir estranho pra si mesmo.
Mas aí, num desses cansaços que desliga os radares, você se deixa levar. Descobre o medo, o verdadeiro medo, o melhor e o pior de todos, aquele que move, que tece o caminho para uma ressurreição fajuta, mas necessária. O medo de se perder é terrível – mas é ele quem mata todos os outros medos. Mesmo que os prédios desabem, que os lustres caiam sobre as mesas, que as novelas acabem com as mortes dos mocinhos e mesmo que a chuva interrompa o sinal da TV, tudo bem – você ainda pode dar seu depoimento no “Fantástico” e dizer que nasceu de novo; pode comprar novos lustres, mais luxuosos que os velhos; pode escrever sua própria novela; pode fazer fantoches com os dedos e rir da própria babaquice. A gente pode tudo. Porque a gente não quer partir, não quer se deixar, não quer deixar de ser.
Clarice, a ucraniana, fala, em seu último livro, sobre uma fulana que queria ser estrela. Veio do nada e queria ir para onde tivesse tudo. A mulher brilhou – quando partiu. Mas foi estrela. Se sentiu estrela. Nada a ofuscou.
Tá, bom, Clarice. Eu quero ser estrela. Mas não quando morrer.
Mas mesmo assim, valeu a intenção. 


(Ouça Moon Over Bourbon Street, Sting)

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