A ideia era falar sobre “jacheguismos”, mas achei melhor
deixar para uma próxima vez – quem sabe daqui a um mês.
É que é madrugada. E a madrugada é ótima. Parece que o
cérebro sabe qual é a melhor hora para sair da caixinha.
De repente, bateu um vazio. Ah, acho que bate em todo mundo –
quem nunca se sentiu no meio do nada, sem vontade, sem ânimo ou inspiração,
ora, que atire a primeira pedra.
Eu sei que não é legal brincar com esse ditado. Porque
sempre tem alguém a fim de te mandar para o hospital.
Acho que o vazio que sinto é normal e anormal ao mesmo
tempo. Não que o mundo tenha algo a ver com isso, mas com o passar do tempo,
esse blog se tornou o meu divã. Se você não tem o seu ainda, corra pro Blogger
e escolha um nome único, criativo e que não tenha nada de fofinho.
O que é se sentir vazio? É como ver um show numa TV muda.
Você vê as legendas, vê o cara mexendo os lábios, mas não faz a menor ideia de
como a melodia tá saindo. É como forçar um choro sofrido, fazendo dos olhos uma
vaca capaz de oferecer leite fresco e incomparável – você não é uma vaca;
lágrimas são mais temperamentais do que uma vaca. E eu sei que vou te fazer
chorar (de vergonha alheia) com essa comparação.
O vazio que sinto é... Estranho. Como qualquer vazio que a
gente sente. A gente? Quem faz “a gente”? O cara que canta no mudo da TV? A
vaca da minha comparação? As lágrimas que não saem?
Você pode dizer que estou carente – a gente está carente, assim me sinto menos idiota. Mas isso não faz
sentido. Quem precisa de alguém pra esse tipo de serviço não está vazio... Só
está matando cachorro a grito. Não, falo de um buraco mais embaixo – um buraco
em que tropeço, caio e, estupidamente, abro um berreiro.
O vazio é um lugar, eu já cheguei a essa conclusão. Um lugar
onde as novelas são mais interessantes que a sua vida, onde há a necessidade de
se mostrar para quem nada quer ver, onde sonhos, de tão fortes, intensos e
desejados, tornam-se fracos e insignificantes – você não é a mocinha da novela
que consegue tudo no fim, porque o seu fim pode ser tão mísero como qualquer
outro. Os sonhos se perdem. Você não sabe mais como sonhar, como imaginar, como
ousar – e acaba sem forças, mais um estranho entre bilhões enquanto podia ser
mil dentro de um que brilha para uns vinte, pelo menos. Ou para si mesmo.
Porque brilhar, nem que seja para o espelho, é uma dádiva. Uma dádiva que só
quem já se sentiu vazio consegue dar valor.
Então você sai feio numa foto. É desprezado numa conversa.
Espera por alguém que foi e não voltou – e que não voltará tão cedo. Vira
chacota dos medos de criança. Não deixa as unhas crescerem em paz. Não gosta
mais de sair. Não sabe mais o que quer. Não sabe se vai querer algo. Não quer
nada. Só quer fugir.
Um banho de sal grosso? Já pensei nisso. Mas... Bom, eu me
sentiria uma picanha.
É pior do que chorar. Porque quando a gente chora, ora, é do
nada, borra o creme, a maquiagem, a construção, mas passa... Pelo menos lava as
calçadas, tira as impurezas, dá ânimo pra encontrar as respostas. Mas se sentir
vazio não tem essa vantagem. Você sorri, e por dentro, o mundo cai e a Maísa
desencarna.
É estranho pensar que o vazio faz a gente se sentir estranho
pra si mesmo.
Mas aí, num desses cansaços que desliga os radares, você se
deixa levar. Descobre o medo, o verdadeiro medo, o melhor e o pior de todos,
aquele que move, que tece o caminho para uma ressurreição fajuta, mas
necessária. O medo de se perder é terrível – mas é ele quem mata todos os
outros medos. Mesmo que os prédios desabem, que os lustres caiam sobre as
mesas, que as novelas acabem com as mortes dos mocinhos e mesmo que a chuva
interrompa o sinal da TV, tudo bem – você ainda pode dar seu depoimento no “Fantástico”
e dizer que nasceu de novo; pode comprar novos lustres, mais luxuosos que os
velhos; pode escrever sua própria novela; pode fazer fantoches com os dedos e
rir da própria babaquice. A gente pode tudo. Porque a gente não quer partir,
não quer se deixar, não quer deixar de ser.
Clarice, a ucraniana, fala, em seu último livro, sobre uma
fulana que queria ser estrela. Veio do nada e queria ir para onde tivesse tudo.
A mulher brilhou – quando partiu. Mas foi estrela. Se sentiu estrela. Nada a
ofuscou.
Tá, bom, Clarice. Eu quero ser estrela. Mas não quando
morrer.
Mas mesmo assim, valeu a intenção.
(Ouça Moon Over Bourbon Street, Sting)
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