domingo, 1 de maio de 2011

Sentimentos e paisagens

"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."

Fernando Pessoa.

Confesso uma coisa: detesto falar sobre mim, sobre o plural das minhas palavras, sobre o plural dos meus sentimentos… Eu sou confusa demais, e isso não é charme de garota nova. Deve ser por isso que me desdobro em mil para ser diferente, esguia, “alternativa” e, pasmem, descomplicada. E já que começo esse post da forma mais complicada possível, talvez minha única saída seja pular para o próximo parágrafo.

A verdade é que não sei bem por onde começar. Minha ideia era respeitar meu velho hábito do post semanal e publicar algum texto com energia de sobra para encarar a semana. Mas é que eu não tinha nada planejado, a mente estava voando entre fitas de DNA, solos de guitarra e esmalte azul nas unhas quase perfeitas. Até que o domingo, com sua face nada espirituosa, tentou puxar minha perna no auge do meu sono imaginário, e fez com que delírios transformados em palavras fossem, com o perdão da palavra, expelidos de mim – e sendo eu alguém que respeita (ou tenta respeitar) o tempo, lá fui eu desligar o som e botar os neurônios para funcionar. Em uma busca rápida, eis que o nome aí de cima surge nos meus olhos e pula rapidamente para a caixa de busca. E das mais variadas fontes – de fóruns de pesquisas a blogs com nomes cafonas – encontro um trecho que, com todo respeito, arrancou-me uns suspirinhos básicos. “Faço paisagens com o que sinto”… Se eu pudesse tatuar isso perto das pupilas, ah, o faria com todo carinho. Mas já que meus quinze anos não me permitem, deixo apenas que a fictícia luz que paira sobre minha cabeça fale mais alto.

Volto à infância. Seis ou sete anos, um edifício com pouco mais de dez andares. Noite bonita, sabe como é: dezembro, fim de ano, aquele clima de Natal que toda criança gosta. Estou no playground do prédio, rodeada de gente que conheço e que nem lembro o nome. Som alto, música animada, festa de aniversário. E eu me perdi no salão que nem é tão grande assim, mas que a noite cisma em ampliar. Sabe, nem eu sei em que lugar estou. Sei que parei perto da grade, onde pude olhar os carros a quatro ou cinco metros de distância e… Quem disse que eu olhava para os carros? Só fazia olhar para a Lua – e antes que me critiquem com adjetivos esquecíveis, peço que terminem de ler e que desarmem essas caras tolas e da mais pura e intragável maneira de criticar alguém. O céu estava lindo, com uma ou duas nuvens. A Lua, que dispensa comentários, atordoava. E sabe o que eu senti? Música. A mais pura. Era inglesa, mas remetia o cheiro de batata-frita americana. Tinha piano, um sax no fundo, uma guitarrinha bem leve e uma voz simples e afetuosa. Eu sentia música, era como se eu pudesse vê-la no céu. A cada avião que passava, o volume aumentava… A paisagem virou sentimento, mas hoje em dia é o sentimento que vira paisagem. Cada vez que eu quero me sentir bem e quero ter a certeza de que tudo vai ficar bem, eu volto no tempo e lembro exatamente daquele momento. Lembro-me de como era fácil nascer uma música nos meus ouvidos, e de como uma paisagem podia dizer tudo sem usar nenhuma palavra. Lembro-me de como a vida é simples e descodificada, e de como eu mesma a codifico – e nada tem importância, não é mesmo, seu Fernando? É mesmo. Perto de uma paisagem sentida e de um sentimento paisagístico, nada tem importância mesmo. Perto de uma Lua que só ter quer bem, nada tem importância, nem aquele presente que você pediu nem a brincadeira que você deixou de lado. Eu era criança e já amava o céu – não, nada de “amor aos pássaros”, nada dessas historinhas de querer voar... Eu sempre me contentei com uma boa poltrona na janela. Eu era criança que amava olhar o céu, e que amava senti-lo; como paisagem, como sentimento, como ser divino. Não pensava em ter um queixo encostado no meu ombro me abraçando e dizendo “oh, meu amor, eu te amo assim como a Lua”; esses são pensamentos para depois de velha. Pensava em não pensar, e por isso, não fechava os olhos por nada no mundo. Sim, eu fui uma criança muito romântica – mas prefiro dizer que fui uma criança que conheceu o melhor que há na minha versão grande. Fui a criança que conheceu o céu e que sentiu o prazer de olha-lo e de sê-lo, de ouvi-lo, de respeitá-lo como a natureza mais digna dos sentimentos. É, pensando bem, não importa a criança que fui – nada importa. O que importa mesmo foi o que eu vi e ainda vejo, que fica guardado na minha expansível memória interna.

E então a noite rendeu uma vida. A paisagem está aqui até hoje – não nos meus olhos, mas no que chamam de coração e eu chamo de alma. A paisagem está viva em mim – e se ela está viva, então tudo que eu sentir também estará vivo. E é assim: cada novo sentimento é um avião cumprimentando a Lua. Paisagens e sentimentos, sentimentos e paisagens… No fim das contas, é tudo a mesma coisa.

Ah, a música eu até posso revelar: “The captain of her heart”, Double.

 

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*Semana que vem tem a estreia do “Descodificadora do futuro”. Palavra de #Descodificada!

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