segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Os sentidos da madrugada

A noite cai. O frio desce. Mas aqui dentro predomina a insônia que me aquece. Risos.
A madrugada, sem sombra de dúvidas, é a hora mais envolvente do dia (ou da noite, sei lá). A manhã é chata, tem um hálito péssimo, é remelenta, entediante. A tarde? Pior ainda. Você almoça e não pode tirar uma soneca ou porque trabalha ou porque se tortura com a ideia de não ter sono à noite. A noite é cansativa, tem novela das oito, tem bocejo, tem cheiro bom que vem da casa do vizinho enquanto você não sabe o que vai fazer pra comer. Aí você acorda no meio da noite - na madrugada - e... Merda! Perdi o sono. Vou ter que ver o Corujão.
Mas a madrugada tem seu valor. É loucamente humana, insensata. Detém toda a criatividade que move a gente. Pare pra pensar: a madrugada também tem os cinco (ou seis) sentidos que nos dominam. Xô te explicar.
Você toca as teclas do controle remoto ou do computador com ternura. Ou toca violão com cuidado pra não acordar ninguém. Ou toca sua pele e tenta sentir suas espinhas ou rugas. Ou toca seus cabelos e fica admirada com o estado maravilhoso em que eles se encontram. E antes que vocês pensem bobagem, vamos parar por aqui.
Você sente um cheiro gostoso de sereno. Ou o cheiro da pipoca pra ver o tal do Corujão. Ou sente o cheiro do perfume de alguém que foi embora. O cheiro de terra molhada, de despudor, de melancolia. É.
Você vê filmes, shows. Ou lê um livro. Ou vê uma foto e sorri - ou, na maioria dos casos, chora. Você vê seus sorrisos ou lágrimas tatuados no espelho. Você se assusta consigo mesmo - ou com o mundo que vai despertar daqui a duas horas.
Você sente o gosto do leite morninho pro sono voltar. Ou o gosto de um beijo gostoso que ganhou um dia desses ou há muito tempo. O gosto das sobras do almoço ou do jantar. O amargo gosto da solidão da madrugada. O gosto do chocolate pra controlar a ansiedade. O gosto do cansaço. O gosto da vitória que vem com o fracasso.
Você ouve uma canção que te faz dançar. Ou a voz daquele que foi embora e podia voltar. Ou o eco da sua própria voz invadindo a sala de estar. Ouve o despertador que vai tocar daqui a pouco - e você estará derrubado no sofá, depois de uma noite mal dormida. Você ouve seus medos gritarem dentro de você - medo de avião, de elevador, de ver o amanhecer. Você ouve os fantasmas que fazem o silêncio. Você não ouve mais nada.
Você prevê o dia que vai chegar. Faz planos, sonha com os olhos abertos, se perde nas próprias aventuras. Tenta boicotar o destino, o que já está escrito - você não acredita em destino. Você se vê daqui a dez, cem, mil anos - em outra casa, com outras pessoas, vivendo outras vidas, sendo quem é agora, sendo outra pessoa, sendo uma abelha, sendo um leão. Você faz um resumo de tudo que já viveu - e chora, e ri, e se arrepende, e grita, e cala, e boceja. Tá na hora de viver o que realmente virá. Tá na hora de dormir pra acordar. Não espere a mamãe mandar.
Um bom sono pra você e um alegre despertar.

(Ouça O silêncio das estrelas, Dudu Falcão)

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