É assim: o ano começa, janeiro é lindo, fevereiro também,
março nem tanto, abril e maio são a mesma coisa, junho e julho têm um caso extraconjugal,
agosto é o mês do desespero, setembro é a barata que agoniza, outubro mostra
que há esperanças, novembro é o meio termo... E dezembro, meu bem, é alegria, é
amor, é família, é paz, é caloria, é felicidade – e um prototipozinho do
inferno em cada rua do planeta, porque perfeição não existe. Mas vamos falar de
coisa boa – e meu nome não é Juarez, engraçadinho.
Fala sério. Dezembro é um mês pesado – Jesus nasce e o ano
acaba, você perde calorias que nem gastou fritando pastel e rabanada e limpando
frango (e recupera o triplo meia hora depois), faz uma decoração bisonha com
Papai Noel, duende e todas as outras invenções da mente fértil de Walt Disney (isso
se Walt não for o próprio Noel – ai, desculpa, é tudo culpa desse trator
travestido de mês)... E pronto. Vamos fazer com os nossos problemas o mesmo que
a Leader (“já é natal na Leader” for ever) nos ensina a fazer com nossas
contas: deixar para março. Tudo é lindo, é clássico, é emocionante... Vamos
combinar: festa de fim de ano é tipo especial do Roberto Carlos: nunca muda, o
velho nunca morre, as músicas são as mesmas e ainda sim sua avó chora como
criança – enquanto você solta um bocejo gostoso.
Festas de fim de ano são pesadas, cafonas, repletas de
naftalina. Não gosto disso. Começo a espirrar.
Gosto de uma coisa mais clean. Como um apartamento que você
acabou de comprar e que você faz planos de como ele vai ser, de como vai ficar.
Com o tempo, você vai recheando o imóvel; às vezes exagera, às vezes peca pela
falta. Mas no fim das contas, está tudo pronto, no estilo “melhor, impossível”.
Acho que, no fundo, no fundo, as pessoas não levam essas festas a sério – e acabam
celebrando qualquer coisa. Ceia farta, troca de presentes, amigo secreto,
calcinha ou cueca colorida, pular sete ondas, trevo na carteira... E aí? Alma
lavada? Vida nos eixos? Feliz?
Felicidade. Uma palavra que move filmes vespertinos, novelas
idiotas e relacionamentos sem futuro. Alma lavada. Um termo tão extravagante
que coça quando a gente usa. Vida nos eixos. Existe isso? Bom, dizem que é mais
fácil existir vida em Plutão do que ter uma vida nos eixos.
Tem gente que não acredita no réveillon – ou acredita, mas
leva na palhaçada. Virar o ano, o século ou o milênio pode parecer algo
idiota... Mas pare pra pensar: virar uma madrugada não é estranho? Imagine só
virar trezentas e sessenta e tantas madrugadas? Dá um medo, uma vertigem... Mas
quando passa, ah, é tão bom. E é melhor ainda quando você não precisa tomar um
Engov para se recuperar. Imagine só o Natal... Renascer. O que é renascer? É
matar velhos dogmas, é renovar as filosofias, é se renovar.
Fim de ano não tem nada a ver com listas ou promessas que
você não vai cumprir. Pelo contrário. Virar um ano é entender que, para cada
grande começo, é preciso um grande fim. É aceitar-se do jeito que se é:
fumante, gordo, míope, feio, pobre, rico, estranho, sem graça. É olhar para
trás e dizer: eu sobrevivi. E sobreviver, meu caro, tem seu valor.
Por isso, digo não aos padrões, aos sacrifícios perpetuados
por apenas uma noite, aos especiais de fim de ano. Digo sim a mim, ao que conquisto
e ao que hei de conquistar, ao que veio e ao que virá, ao que vai acabar e vai
começar. Digo sim às mudanças, ao tempo que passa, ao que fica e ao que
continua comigo. E o resto é resto. Puro e simplesmente.
Quero uma vida clean, uma zona zen, coisas boas – e algumas
ruins, porque nem tudo que é bom dura pouco. Quero uma vida plena, imensa, sinuosa,
dessas de admirar da janela e dizer: caramba, que gostosa. Quero o que sei que posso e que não posso ter –
e que me venha tudo, tudo mesmo. Eu arrumo nas minhas estantes, eu penduro nas
minhas paredes brancas. Prometo contrastar os acontecimentos com uma paz chata
de tão bonita.
Quer dizer... Não prometo nada.
(Ouça New year's day, U2)
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