sábado, 6 de abril de 2013

A farsa da descodificada



Após meses sem dar sinal de vida, eis que me faço presente. Como diz Toni Garrido, “você não sabe o quanto eu caminhei pra chegar até aqui”. E se depender de mim, nem vai saber. Gosto de mistérios.
Preparem seus olhos, ouvidos, boca e nariz, cabeça, ombro, joelho e pé – joelho e pé: uma revelação bombástica me traz aqui.
Sou uma farsa.
Durante dois ou três anos (matemática não é para mim), mantive esse site com o título de Descodificada – a menina sem códigos, sem pudores, sem papas na língua, sem problemas, aquela que resolve todas as questões, a que conhece todas as respostas para todas as perguntas, uma sábia, uma fofa, uma profetiza, um crânio de estimação. É tudo mentira, minha gente. Cancelem essa ideia tosca sobre mim que eu dei a vocês. Não é nada, nada, nada disso.
Eu criei esse blog por um milhão de motivos, mas principalmente para dar a volta por cima depois de uma paixonite mal resolvida (que infelizmente evoluiu como um vírus estarrecedor), para provar para mim mesma que eu era capaz de ter um blog (depois de não sei quantas tentativas) e porque eu tenho um sonho antigo: sentar no sofá da Marília Gabriela com aquela luz direcionada nas minhas espinhas falando sobre a minha história de vida e de como eu sou inspiradora, ou não. Pode me chamar de vaidosa. Você também é. A vaidade já deixou de ser pecado há muito tempo – não vamos comparar pecado com zona.
Depois de centenas de posts com crônicas fajutas, poemas de infinitos versos e entrevistas que eu amei fazer, chegou a hora de admitir: eu não sou, nunca fui e nunca, mas nem que a vaca tussa e cante a discografia do Jorge Vercillo, eu serei descodificada. Não sei se isso é bom ou é ruim; só sei que menti. Menti pensando que estava falando a verdade. Menti para mim mesma.
Acho que esse blog foi uma tentativa desesperada de dizer tudo que penso. E sim, consegui dizer alguma coisa. Mas volto a dizer: não sou descodificada. Portanto, ao invés de encontrar respostas, tirei mais perguntas da cartola. Mas não me arrependo disso. Aprendi que aprender é melhor do que ensinar – melhor pra mim, não sou professora mesmo. Não posso me vestir de guerreira a fim de salvar o mundo com palavras. É uma ideia bonita, linda mesmo; mas conforme o tempo passa, a gente aprende que palavras não são capazes de mudar o mundo. Palavras são apenas a tradução do que pensamos, sentimos, queremos, bla bla bla. E a melhor arma que podemos usar... Não entendo de armas. Gandhi também não entendia e causou, olha aí – pelo amor do santo Cristo: não me comparo com Gandhi, não disse isso... Ah, vocês que entendem o que lhes for conveniente.
Não sei se voltarei a escrever aqui. A cada dia que passa, vejo que não há sentido em querer matar dúvidas que só sei alimentar. Tenho de me descodificar primeiro, e acabo de perceber que só nos tornamos definitivamente descodificados quando morremos – ou não. Descodificar-se é como ter um grande amor: ninguém sabe se vai acontecer, e você só pode dizer se aconteceu de verdade quando está próximo do derradeiro ponto final.
Isto não é uma despedida. Eu estarei por aí: no Google, no céu, no 11ºandar, nos livros, nos textos que guardo, nas músicas que ouço – e talvez vocês me encontrem no programa da Marília Gabriela, a Xuxa até que estava certa quando disse que seus sonhos podem sim se realizar, conheço gente mais do que realizada nessa vida. Mas não pretendo voltar a escrever aqui. Não vou continuar mentindo para vocês. Vai que o Procon me pega. Morro de medo.
Ah, não, esse blog não será destruído. Quero mostra-lo aos meus filhos, netos, bisnetos – mesmo que se torne lixo eletrônico, tudo bem, eu reciclo. Fui feliz enquanto acreditei na minha própria mentira, mas é hora de tentar ser feliz encarando a verdade que Sócrates definiu muito bem: só sei que nada sei. Talvez eu crie outro blog, talvez eu desista dessa história de me meter no mundo virtual, talvez publique um livro, um roteiro, uma enciclopédia. Talvez. Amo essa palavra. Acho que vou tatua-la em mim. Sou regida pelo Talvez. Essa é minha única certeza.
Quanto a vocês, caros quinze seguidores (e leitores que não conheço): foi um prazer roubar alguns segundos do seu tempo com palavras que devem ter adiantado alguma coisa. Quem sabe não me formo em psicologia e os ajudo de verdade. Tudo depende do Talvez.
E se não for pedir muito, não se esqueçam de mim. Eu nunca me esquecerei de vocês. Ah, e eu não morri. Nem completei dezoito anos. Tenho muito a viver, e ainda vamos nos esbarrar muito. Isso eu garanto.
Obrigada por tudo. E por todos.

(Ouçam a minha músia favorita: Seven days in sunny june, Jamiroquai)

(Terry Fan)
 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Tudo clean



É assim: o ano começa, janeiro é lindo, fevereiro também, março nem tanto, abril e maio são a mesma coisa, junho e julho têm um caso extraconjugal, agosto é o mês do desespero, setembro é a barata que agoniza, outubro mostra que há esperanças, novembro é o meio termo... E dezembro, meu bem, é alegria, é amor, é família, é paz, é caloria, é felicidade – e um prototipozinho do inferno em cada rua do planeta, porque perfeição não existe. Mas vamos falar de coisa boa – e meu nome não é Juarez, engraçadinho.
Fala sério. Dezembro é um mês pesado – Jesus nasce e o ano acaba, você perde calorias que nem gastou fritando pastel e rabanada e limpando frango (e recupera o triplo meia hora depois), faz uma decoração bisonha com Papai Noel, duende e todas as outras invenções da mente fértil de Walt Disney (isso se Walt não for o próprio Noel – ai, desculpa, é tudo culpa desse trator travestido de mês)... E pronto. Vamos fazer com os nossos problemas o mesmo que a Leader (“já é natal na Leader” for ever) nos ensina a fazer com nossas contas: deixar para março. Tudo é lindo, é clássico, é emocionante... Vamos combinar: festa de fim de ano é tipo especial do Roberto Carlos: nunca muda, o velho nunca morre, as músicas são as mesmas e ainda sim sua avó chora como criança – enquanto você solta um bocejo gostoso.
Festas de fim de ano são pesadas, cafonas, repletas de naftalina. Não gosto disso. Começo a espirrar.
Gosto de uma coisa mais clean. Como um apartamento que você acabou de comprar e que você faz planos de como ele vai ser, de como vai ficar. Com o tempo, você vai recheando o imóvel; às vezes exagera, às vezes peca pela falta. Mas no fim das contas, está tudo pronto, no estilo “melhor, impossível”. Acho que, no fundo, no fundo, as pessoas não levam essas festas a sério – e acabam celebrando qualquer coisa. Ceia farta, troca de presentes, amigo secreto, calcinha ou cueca colorida, pular sete ondas, trevo na carteira... E aí? Alma lavada? Vida nos eixos? Feliz?
Felicidade. Uma palavra que move filmes vespertinos, novelas idiotas e relacionamentos sem futuro. Alma lavada. Um termo tão extravagante que coça quando a gente usa. Vida nos eixos. Existe isso? Bom, dizem que é mais fácil existir vida em Plutão do que ter uma vida nos eixos.
Tem gente que não acredita no réveillon – ou acredita, mas leva na palhaçada. Virar o ano, o século ou o milênio pode parecer algo idiota... Mas pare pra pensar: virar uma madrugada não é estranho? Imagine só virar trezentas e sessenta e tantas madrugadas? Dá um medo, uma vertigem... Mas quando passa, ah, é tão bom. E é melhor ainda quando você não precisa tomar um Engov para se recuperar. Imagine só o Natal... Renascer. O que é renascer? É matar velhos dogmas, é renovar as filosofias, é se renovar.
Fim de ano não tem nada a ver com listas ou promessas que você não vai cumprir. Pelo contrário. Virar um ano é entender que, para cada grande começo, é preciso um grande fim. É aceitar-se do jeito que se é: fumante, gordo, míope, feio, pobre, rico, estranho, sem graça. É olhar para trás e dizer: eu sobrevivi. E sobreviver, meu caro, tem seu valor.
Por isso, digo não aos padrões, aos sacrifícios perpetuados por apenas uma noite, aos especiais de fim de ano. Digo sim a mim, ao que conquisto e ao que hei de conquistar, ao que veio e ao que virá, ao que vai acabar e vai começar. Digo sim às mudanças, ao tempo que passa, ao que fica e ao que continua comigo. E o resto é resto. Puro e simplesmente.
Quero uma vida clean, uma zona zen, coisas boas – e algumas ruins, porque nem tudo que é bom dura pouco. Quero uma vida plena, imensa, sinuosa, dessas de admirar da janela e dizer: caramba, que gostosa.  Quero o que sei que posso e que não posso ter – e que me venha tudo, tudo mesmo. Eu arrumo nas minhas estantes, eu penduro nas minhas paredes brancas. Prometo contrastar os acontecimentos com uma paz chata de tão bonita.  
Quer dizer... Não prometo nada. 
 (Ouça New year's day, U2)

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Medos e bocejos

2 horas da manhã. Nos meus dedos, o frio teclado digital do tablet - frio porque não sinto a profundidade do teclado do computador, sinto apenas uma tela que ficará manchada pelas minhas digitais. Já bocejei, já despertei, já bocejei de novo e dou meu mindinho do pé para não despertar mais uma vez. De repente, dei pra pensar nos meus medos, tão exaustivos e superficiais - como eu.
Tenho medo de ver o dia amanhecer. Não que eu não goste do sol, pelo contrário. Não gosto é de perceber que encarei dois ou mais dias seguidos sem sonhar durante a noite. Uma sensação de que atravessei o tempo. Ou seja, um medo poético - pura frescura.
Não, não tenho medo de avião. É só não tocar mamonas dentro do bicho que eu fico bem. Simples assim.
Meu maior medo no momento? De elevador. Não gosto de caixas - nem que sejam de sapato. Não que eu seja claustrofóbica, mas a possibilidade de ficar presa em um lugar escuro entre um andar e outro não é nem um pouco legal. Mas preciso superá-lo, afinal não quero ser uma adulta problemática. Com os pensamentos ligados no modo madrugada, imagino que, a qualquer momento e em qualquer lugar, posso ficar presa e no escuro - não só em elevadores. Aliás, eles não tem culpa de nada, são bichos tão inteligentes quanto aviões ou computadores - a maluca sou eu. Pronto, o medo virou solidariedade.
Tenho medo de insetos. Qualquer animal que voe me preocupa - até mesmo pilotos imbecis. Digo isso porque sei que eu pudesse voar, faria merda. Imagine um animal mil vezes menor que eu? Bom, ainda bem que Deus não deu asas à cobra. Melhor assim.
Tenho medo de brigas. Qualquer briga. Morro de medo de quem desliga o motor da consciência e joga merda no ventilador. De quem não sabe usar a matemática do bom senso e não mede suas palavras. Seres humanos nervosos são piores que bombas nucleares.
Tenho medo de outras coisas que o sono não me permite lembrae. Mas medos são tão ridículos... assim como a vida, cartas de amor e redes sociais. Ruim com eles, pior sem eles. Será?
Não despertei. Acho que vou arrancar meu mindinho e oferecê-lo a Morfeu.
(Ouçam summer breaze, jason mraz)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Os sentidos da madrugada

A noite cai. O frio desce. Mas aqui dentro predomina a insônia que me aquece. Risos.
A madrugada, sem sombra de dúvidas, é a hora mais envolvente do dia (ou da noite, sei lá). A manhã é chata, tem um hálito péssimo, é remelenta, entediante. A tarde? Pior ainda. Você almoça e não pode tirar uma soneca ou porque trabalha ou porque se tortura com a ideia de não ter sono à noite. A noite é cansativa, tem novela das oito, tem bocejo, tem cheiro bom que vem da casa do vizinho enquanto você não sabe o que vai fazer pra comer. Aí você acorda no meio da noite - na madrugada - e... Merda! Perdi o sono. Vou ter que ver o Corujão.
Mas a madrugada tem seu valor. É loucamente humana, insensata. Detém toda a criatividade que move a gente. Pare pra pensar: a madrugada também tem os cinco (ou seis) sentidos que nos dominam. Xô te explicar.
Você toca as teclas do controle remoto ou do computador com ternura. Ou toca violão com cuidado pra não acordar ninguém. Ou toca sua pele e tenta sentir suas espinhas ou rugas. Ou toca seus cabelos e fica admirada com o estado maravilhoso em que eles se encontram. E antes que vocês pensem bobagem, vamos parar por aqui.
Você sente um cheiro gostoso de sereno. Ou o cheiro da pipoca pra ver o tal do Corujão. Ou sente o cheiro do perfume de alguém que foi embora. O cheiro de terra molhada, de despudor, de melancolia. É.
Você vê filmes, shows. Ou lê um livro. Ou vê uma foto e sorri - ou, na maioria dos casos, chora. Você vê seus sorrisos ou lágrimas tatuados no espelho. Você se assusta consigo mesmo - ou com o mundo que vai despertar daqui a duas horas.
Você sente o gosto do leite morninho pro sono voltar. Ou o gosto de um beijo gostoso que ganhou um dia desses ou há muito tempo. O gosto das sobras do almoço ou do jantar. O amargo gosto da solidão da madrugada. O gosto do chocolate pra controlar a ansiedade. O gosto do cansaço. O gosto da vitória que vem com o fracasso.
Você ouve uma canção que te faz dançar. Ou a voz daquele que foi embora e podia voltar. Ou o eco da sua própria voz invadindo a sala de estar. Ouve o despertador que vai tocar daqui a pouco - e você estará derrubado no sofá, depois de uma noite mal dormida. Você ouve seus medos gritarem dentro de você - medo de avião, de elevador, de ver o amanhecer. Você ouve os fantasmas que fazem o silêncio. Você não ouve mais nada.
Você prevê o dia que vai chegar. Faz planos, sonha com os olhos abertos, se perde nas próprias aventuras. Tenta boicotar o destino, o que já está escrito - você não acredita em destino. Você se vê daqui a dez, cem, mil anos - em outra casa, com outras pessoas, vivendo outras vidas, sendo quem é agora, sendo outra pessoa, sendo uma abelha, sendo um leão. Você faz um resumo de tudo que já viveu - e chora, e ri, e se arrepende, e grita, e cala, e boceja. Tá na hora de viver o que realmente virá. Tá na hora de dormir pra acordar. Não espere a mamãe mandar.
Um bom sono pra você e um alegre despertar.

(Ouça O silêncio das estrelas, Dudu Falcão)

domingo, 2 de dezembro de 2012

A arte do desapontamento


Crianças molham o lençol com xixi – medo de monstro, bicho papão ou do Barney. Aí crescem, viram meninos ou meninas, mocinhas ou rapazes – mas os lençóis continuam molhados. Meninas choram por meninos, por TPM e afins. Meninos choram por futebol, fases perdidas no vídeo game e castigos dos pais... E crescem de novo. Viram homens ou mulheres – e será que os lençóis continuam encharcados de lágrimas?
A verdade é que não crescemos. Enfrentamos monstros a cada dia que passa – uns tão grandes que não temos medo, e inclusive pedimos um abraço, “ô, lá em casa”. Encaramos dívidas, pessoas, picuinhas no trabalho e na família, brigas, inconstâncias, relacionamentos conflituosos... E espinafre. Espinafre? Poxa, eu pensei que poderia comer o que quisesse quando crescesse, eu quero batata frita no almoço e na janta, quero lasanha e chocolate, sorvete de hora em hora! Trabalho? Eu não cresci pra isso! Eu cresci pra chegar tarde em casa, pro meu pai não cobrar notas azuis no boletim, pra ir ao cinema todo dia, pra viajar toda semana, pra aumentar minha mesada! Eu cresci pra viver, não pra me cansar! Eu ainda sou uma criança. Eu sempre serei uma criança.
Ah, se o tempo voltasse... A gente não diria tanto “sim” ou tanto “não”. A gente não reclamaria tanto, nem dormiria até tarde pra acordar de mal com a vida no dia seguinte. A gente não acreditaria em quem acreditou, a gente não comeria o que comeu, a gente não faria o que fez. A gente seria perfeito, na medida certa, treinando celebridades no quadro do Fantástico. Mas o tempo não que dorflex nenhum é capaz de curar. Temos que comer espinafre (espera, vamos negociar, pode ser uma sopa? Ou uma salada?), temos que trabalhar, temos que perder peso, temos que ganhar dinheiro, temos que nos relacionar... Somos humanos, uai. Existe paixão, medo, aflição, dor, agonia. Existe desapontamento – o mundo não é cor-de-rosa, nem é personalizável como All Star branco. O mundo é um moinho – e Cartola já deixou bem claro que ele vai triturar teus sonhos tão mesquinhos, ou seja, você ta ferrado. O mundo é bem mais do que um quarto com pôsteres, do que um sonho de vida. Está além da louca vontade de viajar o mundo e conhecer seus ídolos, de ser rico, famoso e conhecer o amor da sua vida quando você vai à feira e está linda e maravilhosa. O mundo é feito de caras de decepção, de rodelas de pepino pra esconder as olheiras, de frases de efeito. E viver assim, por mais chato que seja, fica pior quando você descobre que é vítima de um cruel padrão: nascer, crescer, morrer.
E se viver é sofrer, por que viver? Porque a gente sorri de vez em quando, olha que legal. E o sorriso é o combustível que move tudo – tudo mesmo. Sorrir requer motivo, força de vontade, superação. E o que é um mísero padrão perto de coisas tão significativas como essas?
É isso. Viver é morrer um pouco a cada dia. É molhar os lençóis com lágrimas de vez em quando – de vez em sempre, vamos ser francos. Mas o melhor de morrer é ressuscitar, é dar um suspiro sofrido que representa uma vida inteira e aprontar-se pra outra, pra outras, pra todas as vidas que surgirem depois de uma lágrima.
Até que o mundo é legalzinho. Mas recomendo o uso de fraldas – quero dizer, de lenços.
eatsleepdraw:

Study of skull with raven, a3, sketching pencil. Please click through for my illustration blog :) Thanks!
(Ouçam O mundo é bão, Sebastião, Nando Reis)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Traduções



Você fica calado. Ou seja, você é antipático, antissocial, um autêntico misantropo de quinta categoria. Ou seja, você é um pessimista babaca que acredita no fim do mundo. Ou seja, você nunca vai arranjar alguém na sua vida, porque só sabe olhar para o lado e não dizer uma palavra se quer. Ou seja, você fica calado.
Você fala demais. Ou seja, você é um chato de galochas, o pior tipo de gente, um mala-sem-alça de carteirinha. Ou seja, um dia suas cordas vocais darão um nó de marinheiro. Ou seja, você é um egocêntrico ridiculamente egoísta, ou pode ser um louco desvairado no pior estilo psicótico. Ou seja, você não sabe que “Deus deu uma boca para falar e duas, DUAS orelhas para ouvir”. Ou seja: você fala demais.
Você está triste. Ou seja, é um idiota ocioso que não faz nada na vida e ainda procura motivos para ser mimado. Ou seja, você devia sentir vergonha por existir. Ou seja, “Deus tá vendo”. Ou seja, você é um suicida miserável e ingrato, desses que podiam morrer no lugar de tanta gente útil que morre por bobagem. Ou seja: você está triste.
Você sorri de orelha a orelha. Ou seja, é um imprestável incapaz de enxergar os milhares de problemas que assolam o mundo. Ou seja, como você consegue dormir à noite? Ou seja, você é falso, bisonho, desprezível. Ou seja, você não engana ninguém. Ou seja, por que não pega esse seu otimismo e enfia goela a baixo? Ou seja: você sorri de orelha a orelha.
Você precisa mudar. Ou seja, deixa de ser repetitivo, rapaz. Ou seja, vai fazer alguma coisa útil ao invés de pintar o cabelo ou fazer uma tatuagem e dizer que “fez uma mudança radical”. Ou seja, você é inconstante, louco, bipolar. Ou seja, ao invés de se preocupar com tolices, por que não vai cuidar das criancinhas esfomeadas da África ou até mesmo cuidar da sua vida? Ou seja: você precisa mudar.
Você erra. Ou seja, é burro, estúpido, inconsequente, tomara que morra. Ou seja, sua família tem vergonha de você, dos seus atos impunes, das suas mãos sujas, das suas nojeiras. Ou seja, você vai direto para o inferno. Ou seja, você não devia existir; sua existência é uma provação para os seres humanos corretos e lotados de inteligência. Ou seja, você deve nascer de novo se quiser passar na mesma calçada que eu, se quiser me cumprimentar ou cumprimentar os meus. Ou seja, você erra.
Epa.
Você fica calado. Ou seja, não diz nada. Ou seja, não quer escutar. Ou seja, está pensando. Ou seja, você quer ficar sozinho, está cansado do mundo, quer dar uma olhada no mente, digerir algumas situações. Ou seja: você fica calado.
Você fala demais. Ou seja, você quer ser ouvido. Ou seja, você precisa de atenção. Ou seja, você está inquieto. Ou seja, você não quer ouvir nada além da sua voz. Ou seja, você tem a necessidade de se abrir para o mundo, pois não cabe em si. Ou seja: você fala demais.
Você está triste. Ou seja, não quer sorrir. Ou seja, dane-se o mundo pra você. Ou seja, você não quer que fiquem sorrindo perto de você. Ou seja, você quer um abraço, um abraço único e de braços, digamos, específicos. Ou seja, você não vê motivos pra ser feliz. Ou seja, você tem seus motivos, está sofrendo por algo ou alguém, está sentindo uma dor que ninguém é capaz de sentir, pois dores são únicas e feitas sob encomenda. Ou seja: você está triste.
Você sorri de orelha a orelha. Ou seja, nada pode de tirar dessa estranha alegria – ou não. Ou seja, danem-se os problemas e as dores do mundo, o caos no trânsito, a violência nas ruas. Ou seja, você está amando alguém ou simplesmente a si mesmo. Ou seja, você encontrou uma razão para se sentir feliz pelos próximos cinquenta anos ou cinquenta segundos. Ou seja, o dia está bonito, a vida é bela, pra que chorar? Ou seja: você sorri de orelha a orelha.
Você precisa mudar. Ou seja, não aguenta mais viver do jeito que vive. Ou seja, está infeliz. Ou seja, está sem esperança ou perspectiva. Ou seja, quer tomar uma atitude. Ou seja, você sabe o que quer, só precisa saber como conseguir. Ou seja, suas mãos estão calejadas, suas olheiras estão fundas e o tempo voa, voa tanto que você não quer ficar pra trás. Ou seja: você precisa mudar.
Você erra. Ou seja, você ainda não acertou. Ou seja, você precisa de ajuda. Ou seja, um dia você aprende – hoje, amanhã, mês que vem. Ou seja, isso passa, tudo passa, e o perdão existe. Ou seja, você é humano – e errar, bom, errar é humano, tão humano como andar de bicicleta pela primeira vez, cair e ralar o joelho, tão humano como amar desesperadamente, tão humano como pedir um abraço nas horas difíceis. Ou seja: você erra.

Julgar é fácil demais. Porque não dói, não tira pedaço, é de graça, é brinde clássico em zona de conforto. Julgar é esporte, e esporte é saúde... Não. Julgar é vício, é doença. Pra ser um veneno oficializado, só falta vir em frasco. E o pior: julgar é se condenar, é se incluir na suposta escória a partir do momento em que você sabe que é um ser humano como qualquer outro. Julgar é humano. Errar é humano. Humano é errar. Humano é julgar? 
 (Imagem: Audrey, 1956)
















(Ouça Linda Rosa, Maria Gadú)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Elisa



ATENÇÃO: este é um relato pessoal.  Se você não gosta da minha pessoa, é melhor voltar para o site da Capricho. Pensa que eu não sei? Hum...

Eu tinha 4 ou 5 anos quando comecei a falar dela. Minha vó estava lavando roupa ou algo do tipo, e eu, cansada de ficar sentada vendo tevê ou “pular” (esse é o apelido fofo que davam à minha estranha mania de pegar um graveto ou uma escumadeira e fazer de microfone, enquanto em pulava para um lado e para o outro), decidi puxar assunto. Falei de uma amiga que me visitava toda noite, bem mais velha que eu e cheia de história para contar. Com 4 anos, eu contava todos os problemas pessoais de uma garota de 19 que ajudava os pais a administrar uma pizzaria além de N compromissos e agitações. Você deve pensar: “nossa, que prodígio”. Eu penso: “o que deu em mim?”.
Durante toda a minha infância, acreditei que Elisa era tão imaginária que ninguém mais podia conceber sua real existência. Às vezes me sentia culpada, “estou mentido para meus pais e minha família sobre alguém que não existe”, sendo que, no fundo, no fundo, não era mentira. Eu não via Elisa – devo ter visto em algum sonho ou imaginação forçada, mas nunca passou disso. Ela nunca abriu a porta do meu quarto e sentou comigo no chão para falar sobre a vida e sobre Cinco Amores, sua suntuosa cidade natal. Era isso que eu dizia a todos – aliás, isso fez com que, até hoje, meus tios ou primos me perguntem: “E a Elisa?”. Mas tem horas que a imaginação ultrapassa todas as barreiras e acaba se tornando real. Não, não estou falando daquela velha teoria de que acabamos acreditando na própria mentira – pensar na Elisa como uma mentira chega a ser uma ofensa.
Podem me chamar de louca, eu sei que esse é um dos poucos adjetivos que cabem na minha real definição. Mas a história de Elisa, por mais que pareça uma loucura, é de longe a mais pura realidade que já vivi – mesmo num tempo de total imaturidade, se hoje tenho noção das minhas responsabilidades e compreendo o mundo e seus habitantes mais loucos que eu, devo isso a esta garota, minha melhor amiga. Aliás, acho “melhor amiga” um termo um pouco clichê; talvez Elisa fosse minha companheira de sonho ou de realidade, ou talvez a prova viva de que a imaginação não é apenas algo que fica do lado de dentro. Hoje em dia, luto para ser igual a ela – não com os mesmos problemas, mas com a mesa garra e as mesmas manias.
Um lado meu metido a psicólogo diz que Elisa podia ser, na verdade, uma segunda personalidade minha, mas procuro dispensar essa ideia – afinal, seria muita vaidade de minha parte. Por que estou falando dessa parte tão confusa e um pouco paranormal da minha vida? Em primeiro lugar, eu dizia que Elisa fazia aniversário no dia 19 de novembro. Em segundo, acho importante dividir com o mundo a importância dessa espécie de realidade vestida de fábula. Em terceiro... Ah, vamos parar no segundo item, por favor.
Já pensei em escrever um livro com o pouco que me lembro dela. Ora, eu desenhava seu rosto, dizia a cor de seus cabelos, o nome dos seus parentes... Hoje em dia, lembro-me apenas do que eu dizia que sempre conversávamos – as preocupações, os sonhos, as tolices de meninas, a vontade de crescer ou ficar parada por alguns segundos... Pelas minhas contas (baseadas em uma matemática horrenda, diga-se de passagem), Elisa teria trinta anos. Se ela quiser voltar para me dar umas dicas de como me portar na fase adulta, serei eternamente grata.
Se um dia você teve um amigo imaginário (não gosto muito de usar esse termo, mas preciso queimar esse preconceito dentro de mim), pense nele, reze por ele ou simplesmente tente se lembrar de como era a relação de vocês. Porque toda felicidade ou realização pessoal é movida por válvulas de escape. 
 (Imagem: Tumblr)














(Ouça Something's missing - John Mayer)