domingo, 2 de dezembro de 2012

A arte do desapontamento


Crianças molham o lençol com xixi – medo de monstro, bicho papão ou do Barney. Aí crescem, viram meninos ou meninas, mocinhas ou rapazes – mas os lençóis continuam molhados. Meninas choram por meninos, por TPM e afins. Meninos choram por futebol, fases perdidas no vídeo game e castigos dos pais... E crescem de novo. Viram homens ou mulheres – e será que os lençóis continuam encharcados de lágrimas?
A verdade é que não crescemos. Enfrentamos monstros a cada dia que passa – uns tão grandes que não temos medo, e inclusive pedimos um abraço, “ô, lá em casa”. Encaramos dívidas, pessoas, picuinhas no trabalho e na família, brigas, inconstâncias, relacionamentos conflituosos... E espinafre. Espinafre? Poxa, eu pensei que poderia comer o que quisesse quando crescesse, eu quero batata frita no almoço e na janta, quero lasanha e chocolate, sorvete de hora em hora! Trabalho? Eu não cresci pra isso! Eu cresci pra chegar tarde em casa, pro meu pai não cobrar notas azuis no boletim, pra ir ao cinema todo dia, pra viajar toda semana, pra aumentar minha mesada! Eu cresci pra viver, não pra me cansar! Eu ainda sou uma criança. Eu sempre serei uma criança.
Ah, se o tempo voltasse... A gente não diria tanto “sim” ou tanto “não”. A gente não reclamaria tanto, nem dormiria até tarde pra acordar de mal com a vida no dia seguinte. A gente não acreditaria em quem acreditou, a gente não comeria o que comeu, a gente não faria o que fez. A gente seria perfeito, na medida certa, treinando celebridades no quadro do Fantástico. Mas o tempo não que dorflex nenhum é capaz de curar. Temos que comer espinafre (espera, vamos negociar, pode ser uma sopa? Ou uma salada?), temos que trabalhar, temos que perder peso, temos que ganhar dinheiro, temos que nos relacionar... Somos humanos, uai. Existe paixão, medo, aflição, dor, agonia. Existe desapontamento – o mundo não é cor-de-rosa, nem é personalizável como All Star branco. O mundo é um moinho – e Cartola já deixou bem claro que ele vai triturar teus sonhos tão mesquinhos, ou seja, você ta ferrado. O mundo é bem mais do que um quarto com pôsteres, do que um sonho de vida. Está além da louca vontade de viajar o mundo e conhecer seus ídolos, de ser rico, famoso e conhecer o amor da sua vida quando você vai à feira e está linda e maravilhosa. O mundo é feito de caras de decepção, de rodelas de pepino pra esconder as olheiras, de frases de efeito. E viver assim, por mais chato que seja, fica pior quando você descobre que é vítima de um cruel padrão: nascer, crescer, morrer.
E se viver é sofrer, por que viver? Porque a gente sorri de vez em quando, olha que legal. E o sorriso é o combustível que move tudo – tudo mesmo. Sorrir requer motivo, força de vontade, superação. E o que é um mísero padrão perto de coisas tão significativas como essas?
É isso. Viver é morrer um pouco a cada dia. É molhar os lençóis com lágrimas de vez em quando – de vez em sempre, vamos ser francos. Mas o melhor de morrer é ressuscitar, é dar um suspiro sofrido que representa uma vida inteira e aprontar-se pra outra, pra outras, pra todas as vidas que surgirem depois de uma lágrima.
Até que o mundo é legalzinho. Mas recomendo o uso de fraldas – quero dizer, de lenços.
eatsleepdraw:

Study of skull with raven, a3, sketching pencil. Please click through for my illustration blog :) Thanks!
(Ouçam O mundo é bão, Sebastião, Nando Reis)

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