Entrou de mansinho. Casa limpa, tapete esticado, vida normal. Via a família jantar, a TV gritar, a harmonia da casa – tudo em ordem. Enfiou-se no armário. Escondeu-se. Não pensou – ele não pensa. Procurou comida. Faltava-lha coragem. Queria um lugar para dormir e comer – ser prático e primata, ter o que sempre quis como qualquer homo sapiens.
A luz apagou. Todos saíram. Ele ficou. Seus olhos estavam atentos – Deus, será que eles enxergam algo? – mas continuou concentrado. Queria o paraíso naquela casa tão arrumada e cheia de vida. Amava o silêncio, a tranquilidade… O mistério da solidão. Estar sozinho era ótimo, maravilhoso e perfeito para o crime da noite. O escuro era melhor ainda, pois sentia-se livre como uma criança sem a vigilância dos pais.
Luz acesa. Passos rotineiros. Flagrado. Causou pavor, desespero e roubou a cor dos lábios de quem o viu. De quem o sentiu sem querer. Correu na velocidade da luz. Escondeu-se de novo. Fez tumulto, virou foragido.
“Peguem ele!”, gritavam os desesperados. De onde estava, ele não iria sair por nada no mundo. Aguardava o silêncio, resolveu manter seu plano. Assustou-se com o tudo tão grande que causou. Cabos de vassoura batidos no chão, pés medrosos, olhos saltitantes, desespero – em dose dupla, tripla, incontável. Ele corria de um lado para outro, sempre despercebido – e na brecha do despercebido, causava pânico total. A noite já caminhava para o seu fim, querendo trocar de turno com a madrugada. E os gritos continuavam, a casa estava de pernas pro ar – quando isso vai acabar?, pensavam os pobres apavorados que não desistiam de espantar a fera que lhes assustava.
Num piscar de olhos, num relâmpago bobo e sem importância, um forte cheiro o assusta. O cheiro do medo, da intimação, desse tipo que sufoca. Sufocou o “bicho”. Provocou o gran finale. Ele fugiu.
Era um rato. Um bicho fedido, de esgoto, de caminho sem volta. Mas podia ser qualquer outra coisa. Podia ser… Ora, só um rato para ser tão idiota mesmo.
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