sexta-feira, 8 de junho de 2012

A bomba e a metáfora


Era pra ser só uma bomba – dessas com prazo de validade e que às vezes vem com defeito de fabricação. Devia apenas trabalhar quieta, sem nenhum barulho capaz de ultrapassar o som das mais de cem mil batidas diárias que o peito abriga. Era pra ser apenas um órgão fundamental, desses que a gente não é louco de tirar do corpo, que a gente descuida quando vai à churrascaria, que a gente só lembra quando houve falar de problema.
Mas não. Resolveram dar nome ao bicho. Resolveram chamar de coração porque rima com paixão – culpemos o pagode, oh, o bendito pagode que reina nos MP1000 espalhados pela cidade (e carentes de um fone de ouvido quando estão no ônibus). Resolveram desenhar o bicho, mas esqueceram das suas válvulas, ventrículos e ventosas. Resolveram dizer que o coração é representado por uma letra que beija um número. Resolveram dizer que ele é um bicho de sete cabeças. Resolveram culpar o coração por todas as tolices humanas – isso quando todas as tolices humanas só acontecem porque os corações destes indivíduos que dizem todas essas baboseiras batem muito bem, obrigado.
A bomba sofre. Prefere aguentar um vermelho que não acaba mais a ter que ouvir frases compartilhadas por desconhecidos sobre sua fantasiosa personalidade. A bomba quer ser respeitada – já bastam anomalias de posição, funcionamento ou tamanho, não é possível que haja força para suportar a melancolia de ignorantes cansados de sofrer por que querem.
Todo coração merece compaixão. Merece respeito. Merece atenção. E merece tudo isso porque não tem culpa de nada. Aliás, ele apenas sofre as consequências. Sofre quando seu dono está triste; bate devagar. Sofre com ansiedades e compulsões; bate mais rápido do que nunca. Sofre por não sentir o que seu dono diz que o pobre sente, por estar no centro de todas as coisas. Sofre por mover tudo e todos. Sofre por ser agredido por quem diz que o ouve, que o respeita, que o preserva.
Coração não é figura de linguagem. Se fosse, você não teria um aparelho de pressão para medir o estrago da intensidade que as suas emoções te causam – você teria uma gramática decifrando o mundo das metáforas, metonímias e outros alucinógenos... Ou teria um CD de pagode toda vez que achasse que a morte está próxima.
E aí? Já comprou sua manteiga sem sal hoje?



(Ouça Coração Leviano na voz de Djavan)

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