Há cinco anos, eu via um DVD do Cirque Du Solei quando minha mãe chegou com os olhos vermelhos e um ar tristonho. Por mais criança que fosse, eu já poderia muito bem imaginar a situação.
Pois bem. No dia 28 de novembro de 2006, minha bisavó – não gosto dessa palavra, prefiro o termo que inventei quando tinha poucos anos de vida, vovovó – morreu. Isso mesmo, não pretendo usar eufemismos na tentativa de suavizar algo que é simples de ser entendido. Poderia dizer que ela partiu, foi embora ou virou uma estrelinha... Não. Acho que a morte é séria demais pra ganhar um tom desses. As pessoas nascem, crescem e morrem – como posso modificar uma das primeiras frases que aprendi na vida? A morte é uma etapa, faz parte. Mesmo que infelizmente.
Vovovó morreu, mas um monte de coisas ficou. Sério, é como se ela estivesse aqui, agora, em qualquer lugar. Acho que não cabe a mim discutir essas histórias de vida após a morte, isso é algo que não pertence à dimensão que vivo. Simplesmente acho que as lembranças são o suficiente. Quando vovó morreu, nem cheguei a pensar que ela fosse virar um anjo. Primeiro porque ela não curtia muito essa história de anjos. E porque sempre me esqueço de usar essa teoria quando alguém morre. Também não pensei na hipótese dos fantasmas. Sim, sei que vovovó fazia questão de ser onipresente, mas não consigo conceber a ideia de que a morte simplesmente nos torna invisíveis – e se quisermos ser vistos, é só puxar uma corrente ou usar um lençol branco cobrindo o corpo. Vovovó não gostava de fantasmas. Aliás, ela detestava filmes de terror, sempre preferiu os que retratavam as histórias bíblicas que ela gostava de nos contar. Às vezes ria de alguma comédia, ou se prendia a um documentário sobre alguma figura importante para o mundo. Ah, ela adorava novelas, todas elas. Mas ela gostava desses programas de fofoca, algo bem trash como Luciana Gimenez ou Sônia Abrão. Vovovó adorava rir de piadas inteligentes, e até as de português que eu lia no jornal e ia correndo contar para ela. Fazia o tipo conservadora, e dizia que só me deixaria namorar aos 18 – ainda bem que consegui uma brecha para os 15. Eu era a bisneta mais velha, e sim, fiz parte de uma seleta lista secretíssima em sua mente. A gente se deliciava com os churrascos feitos por meus tios, desses que a empregada fica com o cabelo em pé quando tem que limpar a churrasqueira e outras partes da casa. Os almoços de fim de ano eram verdadeiros banquetes. Sorteios sobre a mesa repleta de parentes e amigos, risadas... E como não lembrar o seu bocapiu? Para quem não sabe, bocapiu é uma bolsa de palha que dá pra levar de um tudo. Vovovó provava que era a boa nordestina que ainda usava bocapiu... Deus, aquelas bolsas são geniais.
Vovovó era vaidosa. Senhorinha de igreja, inteligente, importante, pronta para falar, fazer e acontecer. E amava ensinar. Graças a ela, sei ler e escrever. Graças a ela, esse blog que amo tanto existe. Graças a ela, eu existo.
Ela não está aqui. Não está sentada na sala fazendo crochê ou tricô enquanto ouve a lista de óbitos da programação vespertina da Rede TV. Ela não está na mesa da varanda tentando me ensinar a fazer a prova dos nove. Ela não está no telefone com minha avó programando o almoço de domingo. Ela não está atrás de suas torradas levemente salgadas e seu chá de erva doce, nem está tirando uma soneca no “cafofo” enquanto a mesa do lanche é arrumada. Vovovó está em um lugar melhor. Está nos meus sonhos, está nos meus pensamentos e nas minhas centenas de milhares de rezas diárias. Está nas minhas aflições e nos meus melhores momentos. Vovovó não é só mais um tipo padronizado de senhorinha de óculos que anda cheirosa e oferece um colo terno para seus filhos, netos e agregados. Acredito que vovovó esteja na paz de todos que a amam. Ela está na minha paz, na minha segurança, na minha fé. Está dentro de mim, assim como todos que amo e que quero por perto.
E que um dia, eu consiga ser metade do que ela sempre vai ser pra mim. Que eu possa continuar o que ela parou. E se ela puder me ver, que ela saiba disso, que continue se orgulhando de mim, mesmo estando ciente dos meus inúmeros e humanos defeitos.
“Sempre graças hei de dar”.
#Descodifique-se.
Fique emocionada, mas isso não é tão estranho. Sempre fico. A última vez em que vi sua vovovó, eu tinha ficado reprovada no mestrado, eu estava sem emprego, enfim...Ela me chamou pra conversar e eu tive uma crise de choro. Ela, não sei se tentando me acalmar, disse que tudo passaria, que era uma fase, etc.
ResponderExcluirNa semana em que ela morreu, eu tive um sonho em que ela me dava tchau através de uma janela. Eu já estava no mestrado, escrevendo o final. Minha dissertação falava da transmissão da memória pelas narrativas, coisa com a qual trabalho até hoje.
Resolvi então que o meu trabalho seria dedicado aos meus avós e a sua.
É assim que começa o meu trabalho:
Dedicado aos que nos tramitiram e transmitem a memória, especialmente Antonio Soares, Adelino, Neida, Nilsa e Maria Auxiliadora.
Acredito mesmo que somos formados pelos que nos contam, pelo que nos ensinam. Sinto muita falta do meu avô e sei a importância (a tal lista secreta) que voce tinha pra ela.
Me emocionei muito, mas percebo que dona Auxiliadora realizou bem seu trabalho, pois você se tornou uma escritora e uma pessoa de bem.
Preciso dizer que fiquei muito feliz com as suas palavras, Carol. E ter minha vovovó viva em mim é um prazer, assim como tenho certeza que ela e seus avós vivem em você. Eles nos insipiram, e mesmo distantes fazem com que nos encontremos, nos dão inspiração e um motivo a mais pra viver.
ExcluirVovovó me deu o melhor presente que poderia: me apresentou às palavras, ao poder da leitura e da escrita - conluo que vovovó me apresentou ao que quero para minha vida. Muito obrigada mesmo por suas palavras... E tenho certeza que você também foi uma estrelinha a mais no "boletim" da vovovó, rs.