Brado negro
Ouvindo o trem do Trindade
Sinto-me na margem de um rio sem fim
Lembrando o ar, a cor e a tempestade
Que Olodum deu ao mundo
E o mundo deu a mim.
Já passa das cinco da tarde
E a cidade me pergunta
“O que faz aqui?”
Oh, dona grande cidade
Só vim berrar minha coragem
Sou daqui, não sou de Marte
Sou preto, sou cinza,
Até marrom posso ser...
Mas preste atenção:
Não sou giz.
Não me arraste na lousa da vida
Esperando a escrita perfeita de um anjo
Não me explore, não me cobre,
Nem me jogue numa cova de leões
Sou filho de são Jorge, de Oxóssi, de um imenso Deus
Mais forte que todos os santos, mais puro que eu.
Sei suar, sei honrar meu sangue
Meu preto é brilhante,
Minha dignidade é minha dor...
Não solte seu “não” petulante
Ao meu gesto constante
De ser o humano que nasci, que sou.
Se a cor me define
Deixe-me preto, sério, ousado
Mas espero que um dia entenda, pobre cidade
Que a minha cor não me deixará menos suado.
Ora vestido com panos de feira,
Ora engravatado,
Estarei protegido, erguido,
E não hei de ser humilhado.
Minha cor é só mais um jeito
De destacar minha honra,
Meu ser,
Meu grito,
Meu passo,
Meu retumbante brado.
Esta poesia concorreu ao prêmio oferecido pela Academia Duque-caxiense de Letras e pela Secretaria de Cultura de Duque de Caxias. Sua história é bem simples: em quinze minutos, após uma curta leitura sobre a vida de Solano Trindade, saiu uma junção de palavras que deu nisso. Algo como “a cor dessa cidade sou eu, o pranto dessa cidade é meu” – isso se a canção estiver correta.
Não ganhei. Ah, minto. Como diz meu pai, ganhei experiência e força pra continuar. Se os negros não pararam de lutar com as injustiças, por que eu pararia de lutar por causa de “marmeladas” gritadas pela plateia, mas negadas pelos organizadores?
É a vida, amorecos.
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