quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Brado negro

Brado negro

Ouvindo o trem do Trindade

Sinto-me na margem de um rio sem fim

Lembrando o ar, a cor e a tempestade

Que Olodum deu ao mundo

E o mundo deu a mim.

Já passa das cinco da tarde

E a cidade me pergunta

“O que faz aqui?”

Oh, dona grande cidade

Só vim berrar minha coragem

Sou daqui, não sou de Marte

Sou preto, sou cinza,

Até marrom posso ser...

Mas preste atenção:

Não sou giz.

Não me arraste na lousa da vida

Esperando a escrita perfeita de um anjo

Não me explore, não me cobre,

Nem me jogue numa cova de leões

Sou filho de são Jorge, de Oxóssi, de um imenso Deus

Mais forte que todos os santos, mais puro que eu.

Sei suar, sei honrar meu sangue

Meu preto é brilhante,

Minha dignidade é minha dor...

Não solte seu “não” petulante

Ao meu gesto constante

De ser o humano que nasci, que sou.

Se a cor me define

Deixe-me preto, sério, ousado

Mas espero que um dia entenda, pobre cidade

Que a minha cor não me deixará menos suado.

Ora vestido com panos de feira,

Ora engravatado,

Estarei protegido, erguido,

E não hei de ser humilhado.

Minha cor é só mais um jeito

De destacar minha honra,

Meu ser,

Meu grito,

Meu passo,

Meu retumbante brado.

 

Esta poesia concorreu ao prêmio oferecido pela Academia Duque-caxiense de Letras e pela Secretaria de Cultura de Duque de Caxias. Sua história é bem simples: em quinze minutos, após uma curta leitura sobre a vida de Solano Trindade, saiu uma junção de palavras que deu nisso. Algo como “a cor dessa cidade sou eu, o pranto dessa cidade é meu” – isso se a canção estiver correta.

Não ganhei. Ah, minto. Como diz meu pai, ganhei experiência e força pra continuar. Se os negros não pararam de lutar com as injustiças, por que eu pararia de lutar por causa de “marmeladas” gritadas pela plateia, mas negadas pelos organizadores?

É a vida, amorecos.

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