Você fica calado. Ou seja, você é antipático, antissocial, um
autêntico misantropo de quinta categoria. Ou seja, você é um pessimista babaca
que acredita no fim do mundo. Ou seja, você nunca vai arranjar alguém na sua
vida, porque só sabe olhar para o lado e não dizer uma palavra se quer. Ou
seja, você fica calado.
Você fala demais. Ou seja, você é um chato de galochas, o
pior tipo de gente, um mala-sem-alça de carteirinha. Ou seja, um dia suas
cordas vocais darão um nó de marinheiro. Ou seja, você é um egocêntrico ridiculamente
egoísta, ou pode ser um louco desvairado no pior estilo psicótico. Ou seja,
você não sabe que “Deus deu uma boca para falar e duas, DUAS orelhas para ouvir”.
Ou seja: você fala demais.
Você está triste. Ou seja, é um idiota ocioso que não faz
nada na vida e ainda procura motivos para ser mimado. Ou seja, você devia
sentir vergonha por existir. Ou seja, “Deus tá vendo”. Ou seja, você é um
suicida miserável e ingrato, desses que podiam morrer no lugar de tanta gente
útil que morre por bobagem. Ou seja: você está triste.
Você sorri de orelha a orelha. Ou seja, é um imprestável
incapaz de enxergar os milhares de problemas que assolam o mundo. Ou seja, como
você consegue dormir à noite? Ou seja, você é falso, bisonho, desprezível. Ou
seja, você não engana ninguém. Ou seja, por que não pega esse seu otimismo e enfia goela a baixo? Ou seja: você sorri de orelha a orelha.
Você precisa mudar. Ou seja, deixa de ser repetitivo, rapaz. Ou
seja, vai fazer alguma coisa útil ao invés de pintar o cabelo ou fazer uma
tatuagem e dizer que “fez uma mudança radical”. Ou seja, você é inconstante,
louco, bipolar. Ou seja, ao invés de se preocupar com tolices, por que não vai
cuidar das criancinhas esfomeadas da África ou até mesmo cuidar da sua vida? Ou seja:
você precisa mudar.
Você erra. Ou seja, é burro, estúpido, inconsequente, tomara
que morra. Ou seja, sua família tem vergonha de você, dos seus atos impunes,
das suas mãos sujas, das suas nojeiras. Ou seja, você vai direto para o
inferno. Ou seja, você não devia existir; sua existência é uma provação para os
seres humanos corretos e lotados de inteligência. Ou seja, você deve nascer
de novo se quiser passar na mesma calçada que eu, se quiser me cumprimentar ou
cumprimentar os meus. Ou seja, você erra.
Epa.
Você fica calado. Ou seja, não diz nada. Ou seja, não quer
escutar. Ou seja, está pensando. Ou seja, você quer ficar sozinho, está cansado
do mundo, quer dar uma olhada no mente, digerir algumas situações. Ou seja:
você fica calado.
Você fala demais. Ou seja, você quer ser ouvido. Ou seja,
você precisa de atenção. Ou seja, você está inquieto. Ou seja, você não quer
ouvir nada além da sua voz. Ou seja, você tem a necessidade de se abrir para o
mundo, pois não cabe em si. Ou seja: você fala demais.
Você está triste. Ou seja, não quer sorrir. Ou seja, dane-se
o mundo pra você. Ou seja, você não quer que fiquem sorrindo perto de você. Ou
seja, você quer um abraço, um abraço único e de braços, digamos, específicos.
Ou seja, você não vê motivos pra ser feliz. Ou seja, você tem seus motivos,
está sofrendo por algo ou alguém, está sentindo uma dor que ninguém é capaz de
sentir, pois dores são únicas e feitas sob encomenda. Ou seja: você está
triste.
Você sorri de orelha a orelha. Ou seja, nada pode de tirar
dessa estranha alegria – ou não. Ou seja, danem-se os problemas e as dores do
mundo, o caos no trânsito, a violência nas ruas. Ou seja, você está amando
alguém ou simplesmente a si mesmo. Ou seja, você encontrou uma razão para se
sentir feliz pelos próximos cinquenta anos ou cinquenta segundos. Ou seja, o
dia está bonito, a vida é bela, pra que chorar? Ou seja: você sorri de orelha a
orelha.
Você precisa mudar. Ou seja, não aguenta mais viver do jeito
que vive. Ou seja, está infeliz. Ou seja, está sem esperança ou perspectiva. Ou
seja, quer tomar uma atitude. Ou seja, você sabe o que quer, só precisa saber
como conseguir. Ou seja, suas mãos estão calejadas, suas olheiras estão fundas
e o tempo voa, voa tanto que você não quer ficar pra trás. Ou seja: você
precisa mudar.
Você erra. Ou seja, você ainda não acertou. Ou seja, você
precisa de ajuda. Ou seja, um dia você aprende – hoje, amanhã, mês que vem. Ou
seja, isso passa, tudo passa, e o perdão existe. Ou seja, você é humano – e errar,
bom, errar é humano, tão humano como andar de bicicleta pela primeira vez, cair
e ralar o joelho, tão humano como amar desesperadamente, tão humano como pedir
um abraço nas horas difíceis. Ou seja: você erra.
Julgar é fácil demais. Porque não dói, não tira pedaço, é de
graça, é brinde clássico em zona de conforto. Julgar é esporte, e esporte é
saúde... Não. Julgar é vício, é doença. Pra ser um veneno oficializado, só
falta vir em frasco. E o pior: julgar é se condenar, é se incluir na suposta
escória a partir do momento em que você sabe que é um ser humano como qualquer
outro. Julgar é humano. Errar é humano. Humano é errar. Humano é julgar?
(Imagem: Audrey, 1956)
(Ouça Linda Rosa, Maria Gadú)
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