É dura a vida de bailarina, já dizia alguma música do tempo das nossas bisavós. Andar nas pontas dos pés, flutuar (ou fingir que flutua), desviar dos calos enquanto tatua no ar seu sorriso mais sofrido. Poético, não é? Espere só até chegar à última estrofe, quando os versos já estão tortos de tão rigidamente equilibrados – ou de tão disfarçados de equilibrados.
Não, a pretensão não é descrever as memórias de uma velha dançarina – até porque não sou velha nem dançarina e muito menos os dois. Se existe alguma pretensão escondida no meio dessas letrinhas que pesam na minha vista, é bem clara: falar sobre o equilíbrio. E olhe pra mim – faça melhor, olhe para si mesmo e veja: um ser humano falando sobre equilíbrio é tarefa digna de Nobel. Mas a tentativa, por mais frustrada – e agressiva – que seja, é sempre válida.
Equilíbrio é algo que me lembra a perfeição no seu sentido mais humano. Como perfeição pode ser humana? Explica-se na tal da lembrança: fingir-se bem, porta-se como inatingível e esconder, por trás de uma doce feição, um mar de problemas e defeitos. A humanidade tem tudo para ser equilibrada, para andar em linha reta e esticar o corpo como se fizesse ioga; mas os pescoços sempre se entortarão e os músculos sempre se contrairão, faz parte do show. Por mais que nos digam o que devemos fazer por simples questões de boa convivência, o “certo” nos parece incômodo demais; exigimos novidades. E exemplifico, da forma menos exemplificável possível, essa questão de sustentabilidade. É usando de todo um grau de sinceridade que pergunto: quem aí não pensa duas vezes antes de soltar um “majestoso” bocejo quando ouve a palavra “sustentabilidade”? Que os “verdes” me perdoem, mas a ideia de andar na linha não é tão interessante como devia ser. Lembra ecologia, amar florestas, abraçar árvores, recolher um lixo que não foi só você quem gerou, procurar novas fontes geradoras de coisas que precisamos no dia-a-dia mas cismamos em esquecer, não comer carne… Epa, e aquela picanha linda que a churrascaria cisma em mostrar? Perdão, mas não dá pra ser totalmente certo quando o errado já virou a base de tudo. E voltando ao caso da bailarina, os pés já se acostumaram com os calos, por mais dolorosos que eles sejam.
Sustentar-se e ser sustentado pelo mundo é uma ideia fascinante. Mas o contexto pobre que a sociedade “padronizada” criou desmancha o fascínio quando coloca um verdezinho no meio. Nos meus quatro anos de vida, minha mente relacionava natureza com pessoas hippies antes de pensar em praias ou matagais – nada contra os hippies, se não fosse por Woodstok a música que ouvimos hoje seria uma boa porcaria. Mas já nascemos num sistema burguês que cria suas próprias noções de certo e errado e que acaba interceptando as noções reais da humanidade – ou seja, nascemos em algo que se criou e que não aceita o que veio antes de tudo. E toda forma de sustentabilidade – seja ela política, econômica ou ambiental, será sempre remetida à vaga ideia do “politicamente correto”, o que já afirmei ser chato e recusável.
Torno a dizer: ser certo é ser chato para o mundo em que vivemos. Então, devemos começar a pensar em novas formas de continuar vivendo e de criar novas bases pro que chamamos de sobrevivência. É errado, é “mais gostoso”, é interessante, ou seja, gostamos de burlar regras. Mas é errado. A consequência é fatal, e não foi nenhum fanático pelo fim do mundo que disse. Ou mudamos ou esperamos ser mudados drasticamente. E nesse caso, voz ativa é melhor que passiva. A velha ideia da bailarina e seus calos… Pode torná-la mais forte e dar um ar mais doce, até o dia em que os calos provocam a perda dos pés – ou a perda da cabeça, que acaba soltando o cisne negro, e isso é algo cinematográfico demais para a nossa conversa. Não digo que devemos parar de comer carne, mas podíamos rever certas ações. Por questão de princípios, de saúde e de amadurecimento. Se ser sustentável é chato, então estar de pé é chato, e aí concluo: viver é um saco.
Não é questão de ser colorido, é só andar com a mente e os olhos bem mais abertos; pra que se veja o mundo com mais clareza, fazendo com que se tire o maior proveito de tudo a nossa volta.
É isso aí, mas o papo só está começando.
#Descodifique-se.
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