Começou no quinto ou sexto dia da semana de fevereiro ou março. Todos a postos, naquele clima previsível de “energia e felicidade”. Mil cores, mil roupas, mil máscaras, mil convites para festividades e afins, mil loucuras para tão pouco tempo. Euforia de folião é algo incontestável.
Aí as ruas ficam cheias de gente. O asfalto vira passarela – isso não é verso clichê de samba , é fato que ninguém desmente. O litoral vira festa, as ondas do mar afundam num colapso nervoso ao se depararem com um mar de gente ensandecida lutando para invadi-las. Na cidade, o trânsito para, as luzes gritam, o ar fica lotado de si mesmo – ninguém entende isso, mas é exatamente assim que ele se define. Hinos e louvores aos céus, mas nada de igreja; a religião do momento é “ser feliz”, na reza pede-se que a festa dure a vida toda. Plumas, paetês, muito tecido junto, mas bem pouco num corpo só. Caras pintadas… Estamos numa revolução? Não, isso dá muito trabalho, a ordem é não ter nada na cabeça além dos planos para o programa da noite ou do dia seguinte. Colombinas, herois, pássaros, frutas, travestis, ilusões de ótica. Esse é o início do ano. O tal do Carnaval.
- E se ele desse uma volta pelos doze meses do ano?
Vamos lá. Chegou abril. Já começa no dia da mentira – só para estrear aquele já tão famoso baile de comemorações inúteis que o povo inventa com intuitos desconhecidos pelos antropólogos e “chatólogos” de plantão. Preparação para a Páscoa… Hora de renascer oficialmente e mostrar que você virou fantoche da “alegria inusitada”. Alalaô… Que frio é esse? É o Outono mostrando suas garras nada calorosas. Mas folião de ano inteiro não se cansa; cobre a pança e dança até não ter “até”. Maio, você chegou! Dia do trabalho, mês das mães, dos casamentos, do coração… É, folião também tem sentimentos, ou pensa que é só perna para sustentar o corpo e mão para segurar as latas de cerveja? Folião que é folião mexe os músculos da boca, se apaixona por dez segundos e rapidamente já virou a página. Esse coração de carnaval é engraçado… Junho. Todo mundo pulando fogueira dançando axé! Olha, lá vem o trio elétrico no meio do temporal! Folião de verdade acredita na mentira da cobra, e acaba chamando a coitada para dançar com ele no bloco dos atrasados. Julho? Férias. Tudo que um alegre coringa pediu a Deus. Bariloche? Rio Grande do Sul? Que nada, vamos à Bahia! A verdade é que o Inverno inteiro é quente demais para um felizardo filho do carnaval, afoito com a “harmonia” dos ritmos mais batidos e das letras mais repetitivas do mundo. O calor seria humano, imaginário, coisa da cabeça. É, seria a única coisa na cabeça de um bom folião – ô palavrinha que não deixa de ser dita!
Agosto e Setembro são coisas de Primavera. Flores, amores, sabores e cores e tudos “ores”… Rapaz, lá está o Carnaval de novo! Os jardins viram escolas de samba, o pólen das flores vira confete e serpentina, ao invés do odor nada agradável das axilas dos que imitam pipoca, um doce aroma molhado de campo verde e ensolarado. A tristeza agostina não tem vez! Dali felicidade, dali boas vibrações, dali alegria… E outubro tá aí! Sabe aquela seriedade de eleição, de bruxa ou de outros rótulos que me fogem da memória? Tudo isso caiu por terra no Carnaval do ano inteiro, meu rei! É tudo riso, alegria, simpatia… Sem mistério! Novembro? Caos em shopping para comprar os presentes de Natal? “Ó xente”, é o “bloco dos desesperados”, “acadêmicos dos apavorados”, mas tudo sambando e soltando brilho! Todo mundo com a sacolinha na mão, coçando o bolso e requebrando, vamos lá… Dezembro? Jesus Cristo é homenageado por alguma escola de samba e ganha “nota dez” em todos os quesitos. Só no batuque, só na felicidade… Problemas de família na hora da Ceia? O sogro critica o genro, a cunhada faz fofoca, a amante foi descoberta? Que isso, minha gente, pensamento positivo! Vamos gastar, estouras limites… Fica tudo pra depois do carnaval, e carnaval de folião de verdade nunca acaba! Enchemos as areias de Copacabana de gente – e xixi, claro – e veremos os fogos de artiífico bailarem perto das nuvens, sabendo que amanhã tem bloco de rua ou carnaval de famoso. Janeiro está aí, verão torrando, tudo de novo, disco arranhado… Nada muda, meu bem. As fantasias são as mesmas? Depende de quem as veste!
É, ainda bem que toda essa loucura dura pouco. Nada melhor do que ter a chance de mostrar-se realmente, sem delongas, sem rostos paralisados, sem marchinhas ou sentimentos iguais. Eternamente gratos.
Nathalie Gonçalves.
* No post anterior, usei a palavra “teorótico”, mas esqueci de citar o “inventor” desse termo. Pedro Henrique Marques, meu primo, é o responsável pela palavra. Perdão, Pedro! Seus créditos estão todos aqui!
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