segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sobre matar o tempo


Já faz tempo que eu desisti de decifrar o tempo – por mais estranha que essa frase seja, garanto que faz algum sentido. E talvez isso explique essa minha vontade de falar sobre ponteiros e calendários, mas vontades não garantem nada.
Mas precisamos falar sobre isso. Precisamos falar sobre mentes vazias, mas que querem se encher de utilidades. Precisamos falar sobre quem sofre com a falta do que pensar – ou sobre quem sofre com o excesso de pensamentos e a ausência de execuções. Precisamos falar sobre um dos grandes males do século.
Talvez eu esteja falando disso simplesmente por falta de assunto. Ou pelo contrário. Ou pelos dois.
Vamos lá.
Eu gosto de fechar os olhos de vez em quando. Na verdade, eu adoro. Fechar os olhos é uma das minhas atividades prediletas – ah, quem não gosta de dormir, por favor, sem hipocrisias. Mas até o simples ato de dormir tem suas consequências. Elas podem vir antes do sono, ou não. Não sei se o leitor vai concordar comigo, mas esse papo de que a consciência tranquila é o que move o sono é uma das maiores lorotas do mundo. Primeiro que nenhuma consciência é completamente tranquila – sempre vai haver uma coisinha pendurada na mente, ou que foi mal feita ou que não foi feita. E mesmo que o dia tenha sido ótimo, ora, a mente é elétrica! Não para assim, do nada. Aliás, ela não para nunca, simplesmente descansa. E até chegar ao seu tão merecido descanso diário, ela passa por um gradativo processo de repensar tudo o que foi feito e o que ainda vai vir no dia seguinte.
É aí que, numa desastrosa contradição, encontro aquele ditado que eu não suporto: “cabeça vazia, oficina do diabo”.
Contradição, sim. Ao mesmo tempo em que acredito que antes de descansarmos pensamos em milhares de coisas ao mesmo tempo, acredito que a falta do que fazer faz com que nossas mentes enferrujem de alguma forma. Mas talvez eu consiga consertar essa suposta contradição. Bom, se você não está entendendo, sugiro que pare neste parágrafo e só retorne quando estiver ciente do que se trata.
Acredito que o tempo é como uma célula: cumpre todas as suas funções biológicas, mas se você alterar o núcleo, ops, temos uma bomba atômica nas mãos. Alterar a forma como o tempo age é um tiro no coração. É como apagar algo que foi escrito sem o consentimento do autor – foi a melhor comparação que consegui. Mas acredito que, como toda célula, o tempo deve morrer – novos tempos devem nascer, não acham? Pois é. Precisamos matar o tempo para que novos tempos nasçam, para que a gente consiga dormir em paz, cansados, sem tempo para pensar que no que ainda vai vir, apenas com uma cota de tempo para viver o que vier no dia seguinte. Vou repetir pra você não ter que voltar de novo: precisamos nos ocupar para que o fechar dos nossos olhos seja completamente zonzo e rápido, podendo ser comparado ao efeito rápido de uma dessas drogas superpotentes e quase letais de tão “eficientes”. O tempo é à prova de tudo, menos do que chamam de terapia ocupacional. O tempo não suporta um trabalho, um bordado, um artesanato, um tanque cheio de roupas a lavar. Ele corre disso – e corre mesmo, pare para reparar. E então, quando seu corpo tocar o colchão numa suavidade extrema e que exige adjetivos a serem pensados depois, cadê o tempo? Cadê aquele relógio estúpido que te controla desde a hora de acordar a hora de se decidir sobre o que se quer da vida? Cadê a hipérbole de previsões e planos para um futuro totalmente cego?
Pois é. O tempo está com tanto medo de você trocá-lo por alguma tarefa mais interessante que se esconde – mas ele trata de aparecer quando o despertador toca. O único homicídio que somos incentivados a realizar é matar o tempo – e olha, é um crime renovador. Ocupar a vida com algo que realmente importa é excitante – o problema é achar o que importa. Ou até mesmo conseguir ocupar o tempo com essa tal coisa. É difícil casar a ação com o pensamento – e é aqui que o tempo mostra o seu veneno.
A mente, cheia ou não, é uma oficina. É um estabelecimento. E precisa funcionar conforme as regras que lhe cabem. Às vezes, os negócios vão de vento em poupa. Mas existem casos de falência. Bom, entenda a metáfora como quiser.
E o tempo? O tempo é a droga. É o vício. A dependência. É o que, no fim das contas, move a máquina. O tempo é a célula.
Mas até mesmo as células precisam morrer. Então, é melhor apostar na função que essas novas células vão nos oferecer. É preciso acreditar em evolução, em presente, em desvios de rota. É preciso matar certas coisas para que algumas outras revivam dentro da gente.
Mate o tempo. Pra não se matar. Risos.









(Ouça Mais perguntas que respostas, Leoni)

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