Há quase hora, estava no sofá e resolvi tentar escrever algo
assim que a coca-cola acabasse. A TV havia me pregado uma peça. Prefiro nem
comentar... Falta de interesse pra causar. Prefiro dizer apenas que me peguei
assim, pensando na vida, no fato de estar frio e querer ligar o ventilador, de
quase chorar com o fim da série que gosto que foi exibido há algumas horas, de
querer comer algo doce e depois sentir a barriga tão cheia que só mesmo a cama poderia me salvar... Pensamentos
tortos - e o tempo lá, passando em forma de hora que enfeita a tarja da tevê.
Uma e dezesseis da manhã. A tevê me distrai... Mas o tempo
me faz recuperar o foco. Dei três goles no copo de coca. Aí parei. Tive que
decidir quando tomar o próximo gole – assim como se escolhe o timing perfeito
para dar o beijo, ou pará-lo, assim, num gesto bruto que represente qualquer
indício de falta de fôlego. Assim como se decide entre acordar na hora que o
despertador grita ou pedir dez minutos a mais para si mesmo. Como escolher o
filme a assistir numa dessas noites de inverno com pipoca e refrigerante para
dizer que a vida tem lá seu sentido.
Então me dei conta de que pensar dá sede. O tempo dá sede.
Dá vontade de se ter mais. É uma droga – literalmente.
Sou viciada. E não há desintoxicação. Pai, não me mande para
a reabilitação. Não, não, não... Já entendeu? Eu vou morrer de qualquer jeito!
Vou morrer de tempo. Alguns pensam que a morte é a falta do tal. Eu penso o contrário
- a morte é a prova viva de que houve fartura de tempo. Se eu morrer um dia –
idiota, você realmente vai morrer um dia – não quero pensar em nada. Pensar
assusta. Pensar é um ponteiro de relógio em forma de espinho. Droga, já vou morrer,
não quero mais machucados do que já me deve ser permitido.
Uma e vinte e nove. Nesta brincadeira de escrever, ri, olhei
o relógio, olhei a tevê, ouvi os batuques do vizinho, tentei bocejar, ajeitei o
casaco, conversei, ri de novo. Parei. Uma e meia. Hora exata.
Não me conforta saber que isso um dia vai acabar, saber que
eu e meu tempo viraremos poeira. Mas a poeira, por mais inútil e causadora de
espirros que seja, está presente na vida de qualquer um – nos móveis que
invadem espaços, nos ventiladores que refrescam e
poupam dos mosquitos, no chão que é pisado ou desfilado ou simplesmente agredido por passos pesados, nos sótãos onde vivem caixas que também abrigam poeira... Em tudo e qualquer coisa, pode crer que eu vou estar. Eu sei que vão me tirar dali. Vão me limpar com um pano fétido, vão me desprezar... Mas eu insisto. Nasço de novo, serei a prova viva de que a abiogênese existe. Meu princípio ativo é o tempo – não o que passa, mas o que parou em mim.
poupam dos mosquitos, no chão que é pisado ou desfilado ou simplesmente agredido por passos pesados, nos sótãos onde vivem caixas que também abrigam poeira... Em tudo e qualquer coisa, pode crer que eu vou estar. Eu sei que vão me tirar dali. Vão me limpar com um pano fétido, vão me desprezar... Mas eu insisto. Nasço de novo, serei a prova viva de que a abiogênese existe. Meu princípio ativo é o tempo – não o que passa, mas o que parou em mim.
Uma e quarenta e três. Deus, eu já devia ter bocejado. Por
que mudaste para quarenta e quatro... Pausa. Acabo de bocejar. Segundos de
vitória. A droga do tempo faz isso.
Deixo o tempo guiar meus passos, meus atos, minhas mudanças.
Não porque eu confio nele... Mas é porque não há alternativa. Estou presa ao
maldito tempo. Overdose eterna.
(Ouça I can't get started, Jamie Cullum)
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