sexta-feira, 22 de junho de 2012

Efeitos de uma coca-cola

Cinquenta e dois minutos... Oh não, cinquenta e três. Às vezes me pergunto se meu corpo não teve contato com alguma seringa que abrigasse alguma espécie de tempo em forma de substância incolor. E não venha me dizer que o tempo não pode ser uma substância. Aliás, não diga o que o tempo pode ou não ser. Ele pode se invocar com suas palavras.
Há quase hora, estava no sofá e resolvi tentar escrever algo assim que a coca-cola acabasse. A TV havia me pregado uma peça. Prefiro nem comentar... Falta de interesse pra causar. Prefiro dizer apenas que me peguei assim, pensando na vida, no fato de estar frio e querer ligar o ventilador, de quase chorar com o fim da série que gosto que foi exibido há algumas horas, de querer comer algo doce e depois sentir a barriga tão cheia que só mesmo  a cama poderia me salvar... Pensamentos tortos - e o tempo lá, passando em forma de hora que enfeita a tarja da tevê.
Uma e dezesseis da manhã. A tevê me distrai... Mas o tempo me faz recuperar o foco. Dei três goles no copo de coca. Aí parei. Tive que decidir quando tomar o próximo gole – assim como se escolhe o timing perfeito para dar o beijo, ou pará-lo, assim, num gesto bruto que represente qualquer indício de falta de fôlego. Assim como se decide entre acordar na hora que o despertador grita ou pedir dez minutos a mais para si mesmo. Como escolher o filme a assistir numa dessas noites de inverno com pipoca e refrigerante para dizer que a vida tem lá seu sentido.
Então me dei conta de que pensar dá sede. O tempo dá sede. Dá vontade de se ter mais. É uma droga – literalmente.
Sou viciada. E não há desintoxicação. Pai, não me mande para a reabilitação. Não, não, não... Já entendeu? Eu vou morrer de qualquer jeito! Vou morrer de tempo. Alguns pensam que a morte é a falta do tal. Eu penso o contrário - a morte é a prova viva de que houve fartura de tempo. Se eu morrer um dia – idiota, você realmente vai morrer um dia – não quero pensar em nada. Pensar assusta. Pensar é um ponteiro de relógio em forma de espinho. Droga, já vou morrer, não quero mais machucados do que já me deve ser permitido.
Uma e vinte e nove. Nesta brincadeira de escrever, ri, olhei o relógio, olhei a tevê, ouvi os batuques do vizinho, tentei bocejar, ajeitei o casaco, conversei, ri de novo. Parei. Uma e meia. Hora exata.
Não me conforta saber que isso um dia vai acabar, saber que eu e meu tempo viraremos poeira. Mas a poeira, por mais inútil e causadora de espirros que seja, está presente na vida de qualquer um – nos móveis que invadem espaços, nos ventiladores que refrescam e
 poupam dos mosquitos, no chão que é pisado ou desfilado ou simplesmente agredido por passos pesados, nos sótãos onde vivem caixas que também abrigam poeira... Em tudo e qualquer coisa, pode crer que eu vou estar. Eu sei que vão me tirar dali. Vão me limpar com um pano fétido, vão me desprezar... Mas eu insisto. Nasço de novo, serei a prova viva de que a abiogênese existe. Meu princípio ativo é o tempo – não o que passa, mas o que parou em mim.
Uma e quarenta e três. Deus, eu já devia ter bocejado. Por que mudaste para quarenta e quatro... Pausa. Acabo de bocejar. Segundos de vitória. A droga do tempo faz isso.
Deixo o tempo guiar meus passos, meus atos, minhas mudanças. Não porque eu confio nele... Mas é porque não há alternativa. Estou presa ao maldito tempo. Overdose eterna. 

(Matthew Weatherstone)














(Ouça I can't get started, Jamie Cullum)

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